domingo, 30 de março de 2008

O caso do telemóvel no Carolina (parte II)


Faço minhas as palavras desta Senhora (ler em baixo) e de muitas outras pessoas sensatas, que neste país se têm manifestado sobre este lamentável caso de indisciplina, má educação e falta de respeito (de uma turma inteira) para com uma Professora da Escola Sec. Carolina Michaelis.
Mas não me surpreende. Assim como não surpreende a maioria dos Professores portugueses que dão aulas sobretudo nas áreas metropolitas de Lisboa e Porto.
Existe indisciplina nas Escolas: os alunos falam constantemente, apesar de também constantemente chamados à atenção para estarem calados e atentos, muitos não estão
quietos, alguns mexem no telemóvel por baixo da mesa (a desculpa é sempre "Estava a ver as horas."), distraem os colegas, gozam com outros que participam nas aulas, muitas vezes são maus uns com os outros,... perturbam as aulas. As participações disciplinares implicam em alguns casos umas limpezas de folhas de árvores durante uma ou duas manhãs ou tardes... e já está.
E o que acontece? Passam com três e quatro negativas (porque "a retenção de um aluno é uma situação excepcional") e no próximo ano lá estão: sem bases e sem responsabilidade. É a cultura do facilitismo.
É também por isto que eu já não gosto tanto de dar aulas...
Nos últimos catorze anos a minha motivação inicial de uma carreira no ensino já era...
Lamento. Estou triste, cada mês mais triste com este Sistema de Ensino e com esta "carreira". (O meu pai é que tinha razão, queria que eu fosse farmacêutica ou arquitecta. Pelo menos são profissões bem mais respeitadas.)

Fátima Vieira



E agora a opinião de Alice Vieira

Desculpem se trago hoje à baila a história da professora agredida pela aluna, numa escola do Porto, um caso de que já toda a gente falou, mas estive longe da civilização por uns dias e, diante de tudo o que agora vi e ouvi (sim, também vi o vídeo), palavra que a única coisa que acho verdadeiramente espantosa é o espanto das pessoas.
Só quem não tem entrado numa escola nestes últimos anos, só quem não contacta com gente desta idade, só quem não anda nas ruas nem nos transportes públicos, só quem nunca viu os "Morangos com açúcar", só quem tem andado completamente cego (e surdo) de todo é que pode ter ficado surpreendido.
Se isto fosse o caso isolado de uma aluna que tivesse ultrapassado todos os limites e agredido uma professora pelo mais fútil dos motivos - bem estaríamos nós! Haveria um culpado, haveria um castigo, e o caso arrumava-se.
Mas casos destes existem pelas escolas do país inteiro. (Só mesmo a sr.ª ministra - que não entra numa escola sem avisar…- é que tem coragem de afirmar que não existe violência nas escolas…)
Este caso só é mais importante do que outros porque apareceu em vídeo, e foi levado à televisão, e agora sim, agora sabemos finalmente que a violência existe!
O pior é que isto não tem apenas a ver com uma aluna, ou com uma professora, ou com uma escola, ou com um estrato social.
Isto tem a ver com qualquer coisa de muito mais profundo e muito mais assustador.
Isto tem a ver com a espécie de geração que estamos a criar.
Há anos que as nossas crianças não são educadas por pessoas. Há anos que as nossas crianças são educadas por ecrãs.
E o vidro não cria empatia. A empatia só se cria se, diante dos nossos olhos, tivermos outros olhos, se tivermos um rosto humano.
E por isso as nossas crianças crescem sem emoções, crescem frias por dentro, sem um olhar para os outros que as rodeiam.
Durante anos, foram criadas na ilusão de que tudo lhes era permitido.
Durante anos, foram criadas na ilusão de que a vida era uma longa avenida de prazer, sem regras, sem leis, e que nada, absolutamente nada, dava trabalho.
E durante anos os pais e os professores foram deixando que isto acontecesse.
A aluna que agrediu esta professora (e onde estavam as auxiliares-não-sei-de-quê, que dantes se chamavam contínuas, que não deram por aquela barulheira e nem sequer se lembraram de abrir a porta da sala para ver o que se passava?) é a mesma que empurra um velho no autocarro, ou o insulta com palavrões de carroceiro (que me perdoem os carroceiros), ou espeta um gelado na cara de uma (outra) professora, e muitas outras coisas igualmente verdadeiras que se passam todos os dias.
A escola, hoje, serve para tudo menos para estudar.
A casa, hoje, serve para tudo menos para dar (as mínimas) noções de comportamento.
E eles vão continuando a viver, desumanizados, diante de um ecrã.
E nós deixamos.

Alice Vieira
In JN, 30/03/08

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