sábado, 11 de fevereiro de 2012

Análise da proposta de Reorganização curricular 2012

Exmo. Senhor
Presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura da Assembleia da República
Dr. José Ribeiro e Castro
Exmos(as). Senhores(as) Deputados(as)

Ainda bem que temos oportunidade de refletir sobre a proposta de reorganização curricular, aliás sobre a proposta de gestão de horas letivas pois nesta altura não estamos a discutir o currículo.

Sou do Porto e sou professora de Ciências Físico-Químicas (FQ) na Escola Básica 2,3 da Maia (Agrupamento de Escolas Gonçalo Mendes da Maia).
Sou também sócia fundadora do SIPE - Sindicato Independente de Professores e Educadores.

Congratulo-me com a aposta no conhecimento científico através do reforço de um tempo letivo nos 7º, 8º e 9º anos de escolaridade na disciplina de FQ.
Para quem tem de fazer uma planificação da disciplina, a gestão dos tempos letivos é uma dor de cabeça. Neste momento não há aulas suficientes para dar todas as matérias ao longo do 3º ciclo.
Por exemplo, no 7º ou 8º anos temos no inicio do ano letivo um nº de aulas previstas de 66. A esse nº vamos retirar 2 aulas para apresentação e ficha diagnóstica, 3 aulas para autoavaliação, 12 aulas para fichas de avaliação e respetiva correção. Assim, o nº total de aulas disponível para o ano letivo fica em 49. Ou seja, cerca de 49 aulas para dar toda a matéria numa disciplina essencialmente experimental e com alunos adolescentes, turmas heterogéneas, com bons alunos e maus alunos, com alunos com necessidades educativas especiais e alunos com algumas dificuldades de aprendizagem, alunos educados que gostam de aprender e alunos delinquentes, que já roubam e consomem/traficam droga, tudo na mesma turma de vinte e tal.

É importante que se mantenha o desdobramento das aulas de Ciências Físico-Químicas (FQ) e Ciências Naturais (CN) no 3º ciclo, tal como está previsto na lei.
Os conteúdos lecionados na disciplina de FQ requererem um elevado grau de abstracção (principalmente os que são lecionados no 9º ano); aplicação e relacionamento de conceitos matemáticos (os alunos têm dificuldade em contextualizar a Matemática em situações concretas presentes na resolução de exercícios de F.Q.) e ainda com a dificuldade no uso de vocabulário específico da disciplina por parte dos alunos.
O facto do desdobramento existir permite especializar o ensino das ciências, torná-lo mais experimental e melhorar a eficácia do ensino mais individualizado. É também tempo para consolidar os conceitos, que nem sempre são acessíveis ao nível do desenvolvimento cognitivo desta faixa etária. É importante também para mostrar que a Física e a Química estão presentes no nosso dia a dia. É preciso também fazer, praticar e não só ver.
O meu grupo disciplinar, após a análise dos resultados dos alunos no final do ano letivo anterior, pôde concluir que houve uma melhoria global em todos os anos, desde que o desdobramento de 90 min foi adoptado na escola. E deste desdobramento também beneficia o Grupo Disciplinar de Ciências Naturais.
Será importante que o desdobramento comece na disciplina de Ciências da Natureza do 2º ciclo.

A área curricular não disciplinar de Formação Cívica é importante, talvez mesmo os 90 min e não apenas os 45 min. Neste espaço o diretor de turma trata com os alunos assuntos importantes para o bom funcionamento da turma: desde a justificação de faltas à (tentativa de) resolução de conflitos. E há também uma data de assuntos, de carácter mais burocrático, que não devem ocupar as nossas aulas e devem ser tratados nesta área. Também sugiro que seja possível, com o acordo do Conselho de Turma, reforçar algumas matérias em que os alunos têm mais dificuldades, como se fazia na área de Estudo Acompanhado, dar alguma matéria porque o professor teve de faltar, tratar a Orientação Vocacional no 9º ano (como é habitual), etc.

Esta área de Formação Cívica pode também ser utilizada para tratar o tema da Sexualidade Responsável. Atualmente é dada Educação Sexual ao logo dos vários anos de escolaridade nos vários ciclos, no 3º ciclo, são cerca de 12 aulas por ano de escolaridade, tal como está previsto na lei. Alguns alunos da minha direção de turma (8º ano) já estão fartos de ouvir todos os anos os mesmos assuntos. Quando chegarem ao 9º ano e o tema da Sexualidade Humana for dado na disciplina de Ciências Naturais já não vai ter muito interesse... Talvez seja melhor repensar este assunto da Educação sexual e ser dado no 6º ou 7º ano de forma séria, por exemplo, na Formação Cívica com a colaboração dos professores de CN e/ou estabelecendo protocolos de cooperação com o centro de saude local ou outras instituições, tal como é o caso da minha escola. Mas considero que é importante que seja tratado antes do 9º ano (quando os alunos têm 12, 13 anos), pois ainda há pais que não falam destes assuntos em casa e deixam que os filhos aprendam com os outros... Então que aprendam na escola, com as pessoas certas e não com o que ouvem na TV ou no grupo de amigos.

A crise económica atual não pode justificar tudo... pois o que estamos a fazer agora vai ter um preço na formação dos jovens no futuro.
O ME tem de estar preocupado com os alunos e com a qualidade do ensino nas escolas públicas. E isto tem consequências para o futuro de todos nós.
Quando foi anunciado o nome do Senhor Ministro da Educação e Ciência, fiquei com esperança numa mudança radical da qualidade do ensino, mais exigência e responsabilização aos alunos e seus Encarregados de Educação, melhoria das condições de trabalho dos professores, tão maltratados desde 2005. Trabalhar numa escola, dar aulas a crianças, jovens e adolescentes não é a mesma coisa que trabalhar num escritório. Cada vez estamos mais tempo na escola e temos mais turmas, quando o nosso trabalho de preparação de aulas e de avaliação de alunos é feito em casa, com o mínimo de condições e silêncio. Na escola onde trabalho nem dinheiro há para aquecimento. Tem sido muito complicado para todos, pois tem estado muito frio e a escola tem mais de 30 anos, logo não tem as condições de conforto e isolamento dos edifícios escolares novos. Cada vez trabalhamos mais horas e, há uns anos, inventaram uma coisa chamada tempos não letivos, que é uma fraude e falta de respeito pela classe, pois continuamos a dar aulas nesses tempos não letivos (aulas de apoio, que têm de ser preparadas, sala de estudo, aulas de substituição,...).

Outra questão importante a discutir devia ser os cursos CEF. É inaceitável que o dinheiro dos nossos impostos vá para financiar alunos que não querem aprender, que não respeitam a escola nem os professores, funcionários ou colegas. E apesar de lhes ser facultado todas as condições e todo o material (os cadernos são guardados na escola para não desaparecerem logo), ainda têm o descaramento de dizer que não têm esferográfica ou lápis porque a escola não lhes dá. Seja com professores mais jovens, cheios de "ideias mais modernas", seja com professores mais velhos, com "mais experiência", todos os meus colegas se queixam que não se consegue dar uma aula, que só ouvem palavrões e insultos, e apesar das medidas disciplinares impostas, nada faz mudar as atitudes destes alunos. A maioria diz que não quer saber da escola, que vão roubar (alguns já roubam), vão conduzir de forma ilegal,... e quase todos dizem também que não vão trabalhar. São os exemplos que têm em casa: vivem de rendimentos, abonos, subsídios...
E se fosse cortado/retirado o abono de família e o rendimento social de inserção a estas famílias em que os filhos não estudam, perturbam as aulas e os colegas, que querem trabalhar, e não respeitam a escola nem quem lá trabalha?
Os jovens que estudam e querem trabalhar estão a emigrar. Quem vai manter este país à tona da água nos próximos anos? A geração dos CEF e das Novas Oportunidades?
Então é melhor pensarmos em ir embora com as nossas famílias também... porque a Segurança Social vai ser uma recordação do passado porque não vai haver sustentabilidade.

Os meus melhores cumprimentos.
Fátima Vieira

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